Civil

Erro médico em hospital público que descumpre orientação do Ministério da Saúde gera responsabilidade civil do Estado e indenização por perda de uma chance

Jul 22, 2024 - por Edpo Augusto Ferreira Macedo

Aplica-se a responsabilidade civil pela perda de uma chance no caso de atuação dos profissionais médicos que não observam orientação do Ministério da Saúde, retirando do paciente uma chance concreta e real de ter um diagnóstico correto e de alçar as consequências normais que dele se poderia esperar. (Info Extra 19/STJ)

O Recurso Especial nº 1.985.977-DF, julgado pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob relatoria do Ministro Sérgio Kukina, em 18/06/2024, aborda a responsabilidade civil do Estado por erro na prestação de serviços médico-hospitalares, culminando na morte de um bebê prematuro.

O caso suscita importantes discussões sobre a inversão do ônus da prova, a teoria da perda de uma chance e a responsabilidade estatal em situações de falha no atendimento médico.

Descumprimento das orientações do Ministério da Saúde

Um bebê prematuro, após receber alta médica por pneumonia bacteriana, faleceu em casa.

Os pais alegaram que a equipe médica descumpriu orientações do Ministério da Saúde ao não internar a criança, que possuía histórico de doença debilitante.

A corte estadual, apesar de reconhecer o descumprimento da orientação, negou o pedido de indenização por falta de comprovação de nexo causal entre a conduta médica e o óbito.

O STJ reformou a decisão, aplicando a teoria da perda de uma chance.

Reconheceu-se que, se a criança tivesse sido internada conforme a orientação ministerial, haveria uma chance concreta de evitar o resultado fatal.

A falta de internação privou o bebê da oportunidade de receber o tratamento adequado, configurando responsabilidade civil do Estado.

Inversão do ônus da prova

Diante da hipossuficiência probatória dos pais, o ônus de comprovar a ausência de nexo causal recaiu sobre o ente público.

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

O hospital deveria ter demonstrado que a morte não decorreu da falta de internação, o que não ocorreu.

Teoria da perda de uma chance

Essa teoria permite a responsabilização civil mesmo sem a certeza absoluta do nexo causal.

Basta que a conduta culposa tenha reduzido as chances de um resultado favorável.

No caso, a não internação diminuiu as chances de sobrevivência do bebê.

Responsabilidade civil do Estado

A Constituição Federal prevê a responsabilidade objetiva do Estado por danos causados a terceiros.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

No caso, a falha na prestação do serviço de saúde, ao não seguir as orientações ministeriais, gerou o dever de indenizar.

A decisão reforça a proteção dos direitos dos pacientes e a importância do cumprimento de protocolos médicos.

A aplicação da teoria da perda de uma chance amplia o alcance da responsabilização civil em casos de erro médico, facilitando a obtenção de indenização mesmo quando o nexo causal não é totalmente claro.

Referências

REsp 1.985.977-DF , Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 18/6/2024, DJe 26/6/2024.